27/02/2011

Tateando a Guatemala

Quer conhecer o nome de boa parte dos pueblos da Guatemala de um jeito realmente inusitado?

Então olha:


26/02/2011

Antigua ao som da Marimba


Vejam só a que delícia chega nossa mistureba latino-americana.

Epicentro da colônia espanhola para a vasta região que abrange hoje toda a Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e parte do México, a pequenina e barroca Antigua  - fundada em 1516 – é também um dos berços da marimba.

Principal e mais tradicional ritmo musical da Guatemala, a marimba também dá nome ao principal instrumento de percussão do país, - semelhante ao xilofone e tocado com maneiras baquetas por guatemaltecos de todas as idades.

Pois saiba que a marimba foi primeiro um instrumento africano, trazido pelos escravos para as Antilhas no século XVI - e devidamente reapropriado pelas populações indígenas que também eram plasmadas pela colonização, sobretudo no caldeirão de Antigua.

Embora não haja certeza, há quem credite a “ponte” ao povo Garifuna, formado pela miscigenação de índios caraíbas e aruaques com escravos africanos – e cuja população, de maioria negra, sobrevive até hoje na costa de Belize e El Salvador.

O que posso comprovar é que dei a sorte de estar em Antigua justo no Dia Nacional da Marimba: 21 de janeiro.

Abaixo três vídeos que fiz da tertúlia na Plaza Mayor, onde 16 grupos de todo o país literalmente botaram quase todo mundo pra dançar.

Saca só:



Mais fotos da marimba

Plaza Mayor, Antigua (Guatemala).

 









13/02/2011

Nós e Nosostros


A primeira vez que escrevi sobre a América Latina foi para um folhetim apócrifo chamado Soy Loco por Ti, que distribuímos às escondidas na universidade.

Embora acreditasse que este ato secreto nos armaria da liberdade de dizer mais, entendo hoje que se tratava de uma esperança olhando pra trás: para a luta muitas vezes clandestina de nossos pais contra a ditadura, para o sentido de geração que eles tiveram e nós desesperadamente procurávamos - mesmo ao custo de invejar perdidos uma época de repressão e restrição de liberdades, de violência contra as democracias e os povos de todo o continente.
        
Tenho agora a oportunidade de rever estes escritos, oxalá confrontando a esta nostalgia não vivida experiências novas. Serão seis meses por 14 países das Américas Central e do Sul, em viagem que teve início no Senegal e oportuníssima escala na Bahia. Da colonial Antigua, nos altiplanos guatemaltecos, sigo por terra até a Patagônia, no extremo sul da Argentina. O que o coração mandar dizer entre estas duas pontas, partilho neste blog.

Não, não espero encontrar uma luz, um chamado qualquer que vai dizer qual é minha missão neste mundo. Mas acredito nas oportunidades abertas pela possibilidade de experimentar a vida fora da luta diária pela sobrevivência.

Na falta de um despertador mandando ao trabalho, o que realmente é de um dia?

O que sobra fora deste trato que celebra como modelo de saúde e bem-estar quem consegue caminhar em três das 168 horas de uma semana?

O que, afinal, um longo tempo fora dos lugares onde já temos nossas mini-rotinas pode trazer em termos de pedagogia e aprendizado, de causa e consequência? 

Sigo movido pela curiosidade em si mesma de me observar neste outro estado de espírito. As coisas boas tentarei estar atento para guardá-las. As ruins, que me ajudem a clarear limitações antigas e novas, fornecendo pistas para continuar a enfrentá-las aqui e na volta. 

E, pra isso, nada melhor que começar pelo começo: Senegal, África, ponto de partida desta viagem e razão dos primeiros posts deste blog.

Hasta!

10/02/2011

Festival Mundial de Artes Negras


Cheguei ao Senegal pelas mãos do querido amigo Ibrahima Gaye, cônsul honorário do país em Belo Horizonte, que me sugeriu começar a mochila pelo III Festival Mundial de Artes e Culturas Negras (Fesman).  

Reunidos sob o tema “Diversidade cultural e Renascimento Africano”, estariam na capital Dakar mais de 1.200 artistas negros, de 45 países, para manifestações tão variadas como os próprios ramos da arte: literatura, dança, cinema, teatro, música, moda, artesanato e artes plásticas e visuais.

E o Brasil, segundo país de maior população negra do planeta – atrás apenas da Nigéria, seria o convidado de honra.

A primeira edição, em 1966, já havia reunido em Dakar gente como Duke Ellington, Arthur Mitchell e Alvin Ailey. Do lado brasileiro, Clementina de Jesus e Mestre Varinho, antológico capoeirista baiano, também atenderam o chamado.

Afinal, o Fesman estava longe de ser apenas um encontro de arte. Havia menos de dez anos que 34 nações africanas tateavam a independência, golpes militares estouravam em países como Congo e Nigéria e a segregação racial recrudescia nos Estados Unidos, preparando para apenas dois anos depois o assassinato de Martin Luther King.

Era preciso reapresentar a África a si mesma e à diáspora, e a novidade do Fesman foi tentar fazê-lo reunindo as gigantescas diversidades culturais que sempre perfizeram o continente. E tentando, a partir daí, plantar algum sentido de unidade que florescesse das próprias raízes culturais africanas - e de sua reapropriação pelos povos da diáspora.

No sopé do monumento, um dos oito pontos do Fesman
A segunda edição do Festival ocorreu na Nigéria, em 1977, com o tema “Civilização Negra e Educação.  E o Brasil novamente teve sua participação oficial organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que mandou pra lá turma encabeçada por Gilberto Gil.

Com 14 países no comitê de organização, a edição 2010 voltou a Dakar. Literatura, oficinas de dança e exposições acabaram concentradas na Biscuiterie. Jazz e música instrumental foram para o monumento do Renascimento Africano e os megashows para a Praça do Obelisco, marco da independência senegalesa. A Maison Douta Seck abrigou a dança e parte do teatro, enquanto os filmes eram exibidos todos os dias na Place du Souvernir.

E o que posso dizer?

Do jazz intimista dos novaiorquinos do Last Poets às raízes do senegalês Cheikh Lo, do teatro surreal marfinense às acrobacias do circo nacional de Cuba, do raggae engajado do Alpha Blondy ao ecletismo do camaronês Richard Bona, assisiti virgem a toda uma vastidão de passos, sons e ritmos novos.

Caldo engrossado pela oportunidade de ficar hospedado, por duas semanas, num contêiner adaptado com banheiro, duas camas e ar condicionado, - numero 219 -,  que partilhei com o filósofo e ativista Marcos Cardoso no Village des Festvaliers: estrutura montada pelo governo para acomodar as delegações do festival.

Ali foi possível acompanhar ensaios e bastidores dos espetáculos, bem como ouvir canjas multi-língues durante as refeições servidas na gigantesca tenda que abrigou a praça de alimentação. Assim conhecemos gente de Guiné Bissau e da Mauritânea, de Camarões e de Cuba, do Congo e da África do Sul.

Entre eles gente que bandeou para a amizade, como o querido Moussa, que realiza um trabalho genial entrevistando anônimos no transporte público de Guiné Equatorial para sua radiobus. Ou Atchó, dramaturgo e comunicador popular de Guiné Bissau que nos brindou a nós, brasileiros, com uma ceia de natal. Ou ainda Aliou, senegalês da gema, com quem acabo de trocar uma idéia na rede.

Village des Fesvalliers: em cada porta um conteiner
Os conflitos que estouraram em dezembro, na Costa do Marfim, serviram de pólvora para dar o componente político que o Festival precisava. Mas confesso que senti falta dos movimentos sociais, que poderiam ter aproveitado a oportunidade para levar a bandeira cultural mais longe no Fórum Social Mundial, que também está rolando agora em Dakar.

Afinal, como ouvi de um professor durante o Fesman, toda revolução é – em si mesma – um ato de cultura.

*

Para mais, segue aqui o site oficial: www.blackworldfestival.com

Para quem se arrisca no francês, vai também um pequeno e excelente doc sobre a edição de 1966.

Seguido de outro vídeo, não tão bom assim, mas que traz uma apresentação de dança mucho louca do Fesman de 1977.

                                                                       Fesman 1966

                                                                      Fesman 1977

Fotos do III Fesman

















Arte Negra


Abaixo outras fotos de pinturas, esculturas, instalações e demais artes exibidas no Fesman.
Infelizmente deixei no Brasil as anotações com as referências dos respectivos autores, mas prometo incluí-las assim que voltar.










Le soleil de Gorée


Por quase três séculos traficantes de gravata buscaram rum, tabaco e armas na Europa para trocar por escravos na África e depois vendê-los com lucros nas Américas, de onde partiam com matérias-primas e minérios de volta ao continente europeu. Desta bandalha resultaram pelo menos 35 mil viagens, trazendo à bordo 12,5 milhões de homens e mulheres.

Algumas delas, ainda crianças, partiram desta cela aí embaixo: 



Aqui, na ilha de Gorée, ponto de embarque de mais de um milhão de escravos para as Américas.

Aqui, na Maison D’Esclavage, um entre tantos pontos de venda de escravos da ilha.

Aqui, nesta cela, as crianças eram jogadas depois de apartadas dos pais.

Numeradas e separadas por faixas de preço, embarcavam para uma travessia de um a três meses onde a chance maior era morrer.

Aqui outros patifes tratavam de garantir a eficiência do negócio, começando por tentar exterminar qualquer tipo de humanidade e raiz cultural que suscitasse hipóteses de resistência.

Dos troncos à proibição de cultos, dos jesuísmos à separação deliberada de gentes de mesma língua e etnia, valia tudo para evitar por aqui a reconstituição dos legados culturais africanos.

Inclusive depois da abolição, - e até hoje – tentaram de tudo para que não tomassem consciência da importância que têm e tiveram para erguer o Brasil.

Pois estes povos, contra todas as chances, responderam com uma das mais ativas e aguerridas resistências culturais já registradas pelo gênero humano.

E continuam resistindo, para o desgosto de certos patifes.
*
Num é, Gil? 
 

Senegal profundo



Aqueles dias que passamos em Tallenne Gaye, após o Fesman, foram provavelmente os mais marcantes de toda a viagem.

Terra natal de Ibrahima – com menos de mil habitantes -, Tallenne Gaye é uma autêntica comunidade rural Uollof, a maior entre as sete etnias que fazem o caldo senegalês.

Você provavelmente nunca ouviu falar dos Uollof, mas saiba que formaram, por quase sete séculos, um dos mais longevos impérios africanos.

Ficamos hospedados na casa de monsieur Dam, um dos líderes da comunidade.

E Ibrahima também esteve lá reconstituindo sua árvore genealógica, reunindo os patriarcas para conversas até o fundo de suas raízes.

O que posso dizer do que vi?

Os homens ceifando o feno para os carneiros, as mulheres descascando amendoins, as crianças alucinadas divertindo-se com a chegada repentina de um brasileiro branquelo.

As meninas indo buscar a lenha para o almoço, o Cebbn Diein – prato típico a base de arroz, peixe e legumes - servido numa grande bacia no chão, e comido com as mãos e coletivamente.

O café touba temperado com pimentas e alecrim, os sucos de Baobá e as rodas de Altaya: tradicional chá senegalês com pitadas de menta.


Os maridos e suas quatro esposas, a reverência permanente aos mais velhos, a preocupação antecipada com a safra do amendoim e do milho – ali onde só chove três meses por ano, entre junho e agosto.

O céu estatelado de estrelas, os banhos de balde e o respeito às cinco rezas do dia, chamadas pelo megafone da mesquita que pontua o pátio.

E o dia que anoitece mais cedo pela falta de eletricidade - salvo aquela única casa, com bateria solar, que nos hospedou.

Ao sairmos de lá, Monsieu Dam nos chamou num canto, avisou que éramos novos membros da família.

O que mais posso dizer?

Levará algum tempo – talvez a vida toda – para digerir todo este caldo interminável de cultura.
 
E outro tanto, certamente, para fazer valer a honra de estar abençoado entre os Gaye.
 

Fotos de Tallenne Gaye