31/05/2011

A volta de Zelaya (ou se fosse no Brasil)



Após 700 dias do golpe e 458 de exílio, o presidente deposto Manuel "Mel" Zelaya retorna à Honduras e discursa no aeroporto da capital. Eu sou este aí no retangulo branco (Foto: Jornal El Heraldo).


Imagine se passasse no Brasil.
O presidente eleito convoca um plebiscito com a seguinte consulta: “Você está de acordo que, nas eleições majoritárias, se instale uma quarta urna na qual o povo decida a convocatória de uma Assembléia Nacional Constituinte?”
No dia da consulta, - durante a madrugada -, um comando militar articulado pelo Supremo Tribunal Federal, parte do congresso e o exército invade o Palácio da Alvorada, prende o presidente e o exila do país -, ainda de pijama, - sob o argumento de estar violentando a Constituição e as leis.

O repúdio internacional é imediato, e resulta na exclusão do país da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ainda assim, o presidente da Câmara dos Deputados -, e líder da oposição, - se avoca a presidência e convoca eleições com o apoio dos militares.

O ato é imediatamente tachado de ilegal e fraudulento pelo presidente exilado, que propõe boicote ao pleito.

A abstenção chega a 60%, e vence o candidato do governo.

Um ano depois, o militar que coordenou a invasão ao Planalto é nomeado Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Todos os atos contra o governo são duramente reprimidos, e não se abre um inquérito sequer para apurar a responsabilidade sobre a morte de dezenas de pessoas, bem como demais casos de violação dos direitos humanos.

Os funcionários públicos contrários ao golpe também são suspensos – incluindo 303 professores -, e seu retorno condicionado à assinatura de termo no qual se comprometem a não participar de atos contra o governo.

Enquanto isso, o governo altera a Constituição, flexibiliza a legislação trabalhista e propõe uma nova modalidade de concessão territorial na forma de “cidades-modelo” -, a serem geridas diretamente pela iniciativa privada. E realiza um mega-evento chamado Brazil Open for Business, no qual convida grandes investidores de 47 países a assumir os principais projetos de infra-estrutura do país.

E então passa que, 700 dias depois, o governo de fato aceita um acordo de reconciliação com o presidente deposto que permite seu retorno ao país – e a volta do Brasil à OEA, incluindo seus direitos de acesso a financiamentos internacionais.

O acordo, mediado por países vizinhos, inclui:

-       Recuperação dos direitos civis e políticos do presidente deposto.
-       Reconhecimento, por ele, da legitimidade do atual governo -, cujo mandato segue até 2013.
-      E promulgação, imediata, de regulamentação constitucional que discipline a realização de plebiscitos e referendos como instrumentos de consulta popular.

Acordo selado, o presidente retorna, após 458 dias de exílio, para um ato apoteótico que reúne centenas de milhares na capital.

--*--

Este ato apoteótico, para Honduras, ocorreu no sábado.

E abaixo estão as fotos da festa que fizeram, tão logo desembarcou o ex-presidente de Honduras Manuel “Mel” Zelaya.

A dúvida é o que passa a partir de agora.

As principais forças que aglutinam a resistência ao golpe estão reunidas na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Entre elas, os seis principais sindicatos de professores do país, a Organização Fraternal Negra de Honduras (Ofran), o Conselho Cívico de Organizações dos Povos Indígenas de Honduras (Copinh), o Partido Tendência Revolucionária e segmentos do Partido Liberal (PL)

Do avião para o palanque. Foto: Jornal El Heraldo.


A primeira dúvida é se a Frente irá ou não se assumir como partido político, cuja possibilidade está prevista no acordo entre Zelaya e o atual presidente, Porfírio “Pepe” Lobo -, firmado com a mediação de Venezuela e Nicarágua.

Há os que temem pela desfiguração da Resistência se transformada em Partido Político, e há os que vêem na ação a possibilidade de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte já em 2014, agora que está acordada a regulamentação constitucional para a realização de plebiscitos e referendos no país.

Isso depende de como ficará a relação entre a FNRP e o Partido Liberal (PL), pelo qual Zelaya venceu as eleições em 2005.

Não desce pela goela de dirigentes da FNRP que o PL tenha aceitado disputar as eleições propostas pelos golpistas em 2009, mesmo com a proposta de boicote feita por Zelaya. E o PL, claro, não quer perder barato seu protagonismo político-partidário no campo da centro-esquerda hondureña. Pelo personalismo político reunido em torno da figura de Zelaya, tudo parece indicar que caberá a ele a condução desse processo.
O fato é que a união de ambos – PL e FNRP - parece vital se quiserem vencer o Partido Nacional no pleito de 2013.

E o fato também é que, pela constituição hondureña, não há reeleição.

Zelaya tem trabalhado pela consolidação política de sua esposa, Xiomara Castro, nomeada para o Conselho Político da FNRP tão logo desembarcou no aeroporto.

Por ora, ele observa o quadro político hondureño de seu sítio em Olancho, no interior do país.

Afinal, foram 486 dias de exílio num momento de muita história para Honduras -, e me parece que ele quer saber onde pisa antes de tomar qualquer decisão. 

Fotos - O Retorno de "Mel"











Ps: Aproveito para agradecer aqui os queridos Silvia e Felipe, correspondentes do jornal Brasil de Fato em Honduras. Sem eles, esta cobertura não seria possível. Valeu! 

29/05/2011

O retorno de "Mel"


Ontem, no aeroporto de Tegucigalpa, três horas antes da chegada do ex-presidente Manuel "Mel" Zelaya à capital hondureña, - após 700 dias de golpe e 485 de exílio.
Logo posto mais vídeos, fotos e textos deste dia histórico. 


27/05/2011

O código florestal e o colapso da civilização maya

Praça central de Tikal, casa de cem mil pessoas no século IX


Situada no que é hoje o norte da Guatemala, a cidade de Tikal foi, durante séculos, o maior centro cultural e urbano da civilização maya.

Aqui chegaram a viver, na beirada do século IX, mais de cem mil pessoas em uma área construída de 60 km2, ponteada por acrópolis, palácios e templos datados de até 600 anos antes de cristo. Estamos falando de mais de 3 mil estruturas e edificações, numa cidade cujo apogeu se deu entre 250 D.C e 800 D.C.

Aqui os mayas desenvolveram a agricultura, o comércio, a ciência e a astronomia. Adoraram o sol e as estrelas, dominaram a matemática, planejaram cidades e desenvolveram inigualável capacidade de guerra, numa intrincada estrutura de poder baseada também na religião, no controle dos recursos naturais e na cobrança de impostos.

E podia uma civilização assim tão florescente ter um fim catasfrófico, 500 anos antes da chegada dos europeus? Pois sim. Entre os anos de de 830 e 950, todos os habitantes de Tikal simplesmente juntaram suas matulas, abandonaram a cidade e partiram para nunca mais voltar. E é aqui que gostaria de lembrar o Código Florestal.

A principal tese dos arqueólogos para o colapso maya aposta na combinação de pelo menos três fatores: população em expansão operando no limite dos recursos disponíveis, degradação ambiental e ampliação das guerras internas -, todos engatilhados numa só crise a partir de uma seca prolongada que tornou a vida em Tikal literalmente impossível, minando o controle da distribuição de água como fonte de autoridade política para as elites dominantes.

E este é apenas um exemplo. Neste excelente artigo sobre o colapso Maya, publicado na Scientific American Brasil, estão apresentados também indícios de uma drástica redução da umidade que teria levado ao desaparecimento do povo Anasazi, no sudoeste americano, entre 1275 e 1300. A mesma razão teria provocado o colapso do império acadiano da Mesopotâmia, o declínio dos Moche na costa do Peru e o fim da civilização Tiwanaku no altiplano bolívio-peruano há aproximadamente 4200, 1500 e 1000 anos, respectivamente.

Em Tikal, segundo o vencedor do Pulitzer Jaredh Diamond, o colapso é ainda mais emblemático pela adição de outro fator decisivo para a crise: liderança focada em preocupações de curto prazo, sem atenção ao princípio da precaução.

Talvez se soubessem o que os aguardava, tivessem dado mais atenção à relação de interdependência entre suas florestas, solos e águas. Talvez entendessem que era preciso antever estiagens inesperadas e outras mudanças climáticas bruscas (fatos mais que comprovados e recorrentes na história). Talvez ponderassem que a destruição destes recursos significava, antes de tudo, destruir os fatores de sua própria existência enquanto civilização, - a despeito de todos os feitos que lograram.

Não foi o que ocorreu.

E deu no que deu.

--*--

Digo isto, enfim, para recomendar muito, muito mesmo a leitura deste artigo aqui. Foi escrito por meu pai, e ilumina o debate sobre o atual Código Florestal. Tudo bem que sou suspeito para falar, mas é exatamente do nosso futuro -, ou da nossa caminhada civilizatória -, que ele também fala.

Fotos de Tikal







21/05/2011

Aprendizado


No primeiro post deste blog, escrevi sobre o propósito de aproveitar a mochila para me observar em outro estado de espírito; e sobre tentar estar atento às coisas boas e ruins para que me ajudassem a clarear limitações antigas e novas, fornecendo pistas para enfrentá-las aqui e na volta. 
Após três meses de centroamerica, posso dizer que só agora compreendo as verdadeiras implicações desta travessia.

Trata-se, é claro, de uma perspectiva absolutamente pessoal. 

A vida é uma experiência pessoal e intransferível, que queima dentro de cada ser humano a 80 batimentos por minuto.

E se acaso me imagino poeira diante de quatrilhões de sóis e constelações, acredito também que o universo é simultaneamente apenas o que eu – e só eu – imagino que ele seja. 

Nunca entrei na cabeça de outra pessoa para sentir como ela pensa.

Cada um tem sua história, só a gente sabe mesmo o que passou para chegar até aqui.

E daí passa que a vida, maravilhosamente, não pode realizar-se senão pela ação coletiva.

Tudo o que ouve quer falar, tudo o que toca é feito para ser tocado. Nada e ninguém pode existir sem que pressuponha um outro.

E esse outro provavelmente trava a mesma luta.

Circunscrito neste intervalo entre o nascimento e a morte, tem também a capacidade de pensar e querer.

Situado nesta colisão entre o não-mais do passado e o ainda-não do futuro, tem medo e esperança.

Também é simultaneamente generoso e infame, forte e fraco, uno e contraditório.

E faz e decide na margem da dúvida.

A vida é muito curta.

Pode-se escolher abrir o baú, no caminho do autoconhecimento, ou refugiar-se naquilo que a gente mostra e torce para que o outro veja, - ou não veja.

O medo está aí cheio de trincheiras prontas a disparar se alguém ameaça revelá-las, e pode ser que algum tiro atinja quem a gente mais ama.

Saber-se por completo é impossível.

Procurar-se é uma escolha, - e talvez a mais difícil.

16/05/2011

Um hotel na capital guatemalteca a R$ 20



Se você for à Cidade da Guatemala, considere a possibilidade de hospedar-se aqui no Hotel Spring. A cinco quarteirões da Plaza Central e do Mercadão, está também a duas quadras da sexta-avenida, todinha dedicada aos pedestres entre restaurantes, cinemas e cafés. O preço corresponde a um quarto individual, mas com banheiro coletivo.

14/05/2011

Ativismo urbano

O centro da Cidade da Guatemala e sua vastidão de dizeres.










Uma das ruas do centro, onde tudo se deu

11/05/2011

Mercado Central: conexão Guatemala-BH



Foi como me sentir em casa.


Tudo bem que no lugar do fígado acebolado com jiló houvesse dobladas e enchiladas. Ou que o tropeiro continuasse apenas uma saudade, apesar do delicioso pão com feijão.


Acontece que o mercado tinha cheiro de mercado, e quem gosta de um sabe bem do que estou falando. A mistura de gordura e cestaria, de flor e fruta, de suor e tecido, tudo isso estava lá conspirando esse aroma que na lembrança será também a saudade daquela gente toda.


Enquanto comia uns tamales, espécie de pamonha local a base de milho branco, troquei uma ideia com Cristina. Ela é filha de Doña Mela, que também é nome de um dos mais tradicionais bares do Mercado. E tal qual no Brasil, diz, a politicada aproveita. Ali já passaram pelo menos três presidentes: Alvaro Arzú, Alfonso Portillo e Jorge Serrano, todos a cata de votos e patitas a la vinagreta. Ela diz que não se importa, muito pelo contrário. E me sugere uma banana frita antes de partir.


Cruzando todas aquelas bancas foi difícil não comprar uma coisa de cada, sobretudo diante da impossibilidade de socá-las numa mochila já abarrotada. Afinal, o Mercado Central da capital guatemalteca, tal qual o mercadão da minha infância, tem um muito de tudo: comida e grãos, queijos, frutas e verduras, carnes, pratarias, artesanatos e roupas, cerâmicas, flores. E fundado em 1896 sobre o que foi o primeiro cemitério da cidade, tem, enfim, a história e a tradição que forjam os grandes mercados populares.

Saca só. 
Olha o Doña Mela aí.







Chegando à capital

Cidade da Guatemala, sexta avenida, centrão.



08/05/2011

Dia das mães


Te amo, mãe!

07/05/2011

Traquinas




Sapecagem pouca é bobagem.

Saca essa meninada.

Quichaiá, Guatemala.