03/03/2011

Dia de feira em Chichicastenango



Adelante!

Buen precio!

Cuanto puedes pagar?

Se você for a Chichicastenango, prepare-se para escutar isso até gastar os ouvidos.

Famosa por abrigar o mercado popular indígena mais colorido da América Central, “Chichi” tem de pouco um tudo: flores, alimentos, roupas, máscaras, esculturas, artesanatos, cerâmicas e até uma assombrosa variedade de lâminas e facões – não por isso menos coloridos e enfeitados. 

E olha: o preço dado nunca é o preço de vera.

Troque uma ideia, negocie.

Ou então faça como eu, que saí de lá sem comprar um regalo sequer para não sobrecarregar a mochila.

Divirta-se pescando conversas cruzadas em Quiché, dialeto maia mais falado da feira. Ou tentando entender algo do que falam os Mam, os Ixil y os Kaqchikel, outros grupos guatemaltecos que também madrugam para erguer suas barracas às quintas e domingos: dias em que ocorre a coisa toda.

O mercado é ponteado pela igreja de Santo Tomás, ela mesma um testemunho do sincretismo religioso nascido do contato entre colonizadores e indígenas. Afinal, a escadaria que leva a esta igreja quatrocentona é um tributo à própria população maia, com seus 18 degraus representando, cada qual, um dos 18 meses do famoso calendário.

Estive por lá com a comunicadora e poeta Nanda Barreto, que trouxe na bolsa coisas quase tão coloridas como ela.

Aliás, não deixe de conferir o blog da moça: tem umas cositas muito legais da mochila que ela também anda fazendo por aqui.

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Se você quiser dar uma voltinha virtual pelo mercado num vídeo tosco, dá uma olhada neste que fiz aí embaixo.

As fotos de Chichi seguem logo na sequência.

01/03/2011

No mercado com dona Petronila


Petronila, em sua tienda, veste o Güipil de sua terra natal

Hoje troquei uma idéia com dona Petronila, cuja especialidade, há mais de 30 anos, é comprar e revender a maior variedade possível de Güipiles: nome dado à mais tradicional roupa utilizada pelas mulheres indígenas da Guatemala.
E está longe de ser coisa para turista, ela logo me avisa. 
De longe, é possível saber pelos Güipiles de onde é a mulher, a comunidade a que pertence a tecelã e mesmo a ocasião para a qual a pessoa se vestiu. 
Afinal, ela me conta que cada um dos 125 pueblos da Guatemala tem seu próprio traçado, novamente desdobrado em outra variedade de linhas e cores a depender da ocasião, - já que as peças variam se cotidianas, matrimoniais, cerimoniais ou de luto. 
E como os indígenas e seus descendentes ainda perfazem 40,6% da população, você tem aí uma pequena ideia da quantidade de Güipiles que vai ver pelas ruas se pintar por aqui.
Na tenda de dona Petronila, os preços variam de 250 a 6 mil quetzales  – ou algo entre R$ 40 e R$ 1.300.
Cada peça leva de duas semanas a três meses para ficar pronta, e geralmente é feita a partir de um pequeno tear ancorado no colo de cada artesã. São usados materiais como o cânhamo e o algodão, conhecidos desde a época dos Maias; a lã e a seda, introduzidas pelos colonizadores; e fibras sintéticas como a sedalina, trazidas mais recentemente pelos globalizadores.

Afora isso, cada Güipil conta sua própria história. São sóis e luas, animais e flores, gentes e céus costurados à mão para representar momentos vitais e sagrados.    
   
Aos 53 anos, a comerciante de Santa Maria de Jesus garante ter pelo menos uma peça de cada pueblo guatemalteco. E bate no peito, cheia de orgulho, para dizer que é a única fornecedora de sua terra natal para o museu Ixchel del Traje Indigena – situado na capital.
Afinal, diz, trata-se de uma arte viva – e zelada pelo deuses.
Ou vai me dizer que você não sabia que a maia Ixchel também é a deusa da tecelagem?
*
Você pode encontrar dona Petronila no Mercado de Artesanias de Antigua, ou ligar pra ela no 5059-0429.
Abaixo aproveito para colocar um pouco mais de outras coisinhas que você certamente vai encontrar entre os mercados de Antigua:








27/02/2011

Tateando a Guatemala

Quer conhecer o nome de boa parte dos pueblos da Guatemala de um jeito realmente inusitado?

Então olha:


26/02/2011

Antigua ao som da Marimba


Vejam só a que delícia chega nossa mistureba latino-americana.

Epicentro da colônia espanhola para a vasta região que abrange hoje toda a Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e parte do México, a pequenina e barroca Antigua  - fundada em 1516 – é também um dos berços da marimba.

Principal e mais tradicional ritmo musical da Guatemala, a marimba também dá nome ao principal instrumento de percussão do país, - semelhante ao xilofone e tocado com maneiras baquetas por guatemaltecos de todas as idades.

Pois saiba que a marimba foi primeiro um instrumento africano, trazido pelos escravos para as Antilhas no século XVI - e devidamente reapropriado pelas populações indígenas que também eram plasmadas pela colonização, sobretudo no caldeirão de Antigua.

Embora não haja certeza, há quem credite a “ponte” ao povo Garifuna, formado pela miscigenação de índios caraíbas e aruaques com escravos africanos – e cuja população, de maioria negra, sobrevive até hoje na costa de Belize e El Salvador.

O que posso comprovar é que dei a sorte de estar em Antigua justo no Dia Nacional da Marimba: 21 de janeiro.

Abaixo três vídeos que fiz da tertúlia na Plaza Mayor, onde 16 grupos de todo o país literalmente botaram quase todo mundo pra dançar.

Saca só:



Mais fotos da marimba

Plaza Mayor, Antigua (Guatemala).

 









13/02/2011

Nós e Nosostros


A primeira vez que escrevi sobre a América Latina foi para um folhetim apócrifo chamado Soy Loco por Ti, que distribuímos às escondidas na universidade.

Embora acreditasse que este ato secreto nos armaria da liberdade de dizer mais, entendo hoje que se tratava de uma esperança olhando pra trás: para a luta muitas vezes clandestina de nossos pais contra a ditadura, para o sentido de geração que eles tiveram e nós desesperadamente procurávamos - mesmo ao custo de invejar perdidos uma época de repressão e restrição de liberdades, de violência contra as democracias e os povos de todo o continente.
        
Tenho agora a oportunidade de rever estes escritos, oxalá confrontando a esta nostalgia não vivida experiências novas. Serão seis meses por 14 países das Américas Central e do Sul, em viagem que teve início no Senegal e oportuníssima escala na Bahia. Da colonial Antigua, nos altiplanos guatemaltecos, sigo por terra até a Patagônia, no extremo sul da Argentina. O que o coração mandar dizer entre estas duas pontas, partilho neste blog.

Não, não espero encontrar uma luz, um chamado qualquer que vai dizer qual é minha missão neste mundo. Mas acredito nas oportunidades abertas pela possibilidade de experimentar a vida fora da luta diária pela sobrevivência.

Na falta de um despertador mandando ao trabalho, o que realmente é de um dia?

O que sobra fora deste trato que celebra como modelo de saúde e bem-estar quem consegue caminhar em três das 168 horas de uma semana?

O que, afinal, um longo tempo fora dos lugares onde já temos nossas mini-rotinas pode trazer em termos de pedagogia e aprendizado, de causa e consequência? 

Sigo movido pela curiosidade em si mesma de me observar neste outro estado de espírito. As coisas boas tentarei estar atento para guardá-las. As ruins, que me ajudem a clarear limitações antigas e novas, fornecendo pistas para continuar a enfrentá-las aqui e na volta. 

E, pra isso, nada melhor que começar pelo começo: Senegal, África, ponto de partida desta viagem e razão dos primeiros posts deste blog.

Hasta!

10/02/2011

Festival Mundial de Artes Negras


Cheguei ao Senegal pelas mãos do querido amigo Ibrahima Gaye, cônsul honorário do país em Belo Horizonte, que me sugeriu começar a mochila pelo III Festival Mundial de Artes e Culturas Negras (Fesman).  

Reunidos sob o tema “Diversidade cultural e Renascimento Africano”, estariam na capital Dakar mais de 1.200 artistas negros, de 45 países, para manifestações tão variadas como os próprios ramos da arte: literatura, dança, cinema, teatro, música, moda, artesanato e artes plásticas e visuais.

E o Brasil, segundo país de maior população negra do planeta – atrás apenas da Nigéria, seria o convidado de honra.

A primeira edição, em 1966, já havia reunido em Dakar gente como Duke Ellington, Arthur Mitchell e Alvin Ailey. Do lado brasileiro, Clementina de Jesus e Mestre Varinho, antológico capoeirista baiano, também atenderam o chamado.

Afinal, o Fesman estava longe de ser apenas um encontro de arte. Havia menos de dez anos que 34 nações africanas tateavam a independência, golpes militares estouravam em países como Congo e Nigéria e a segregação racial recrudescia nos Estados Unidos, preparando para apenas dois anos depois o assassinato de Martin Luther King.

Era preciso reapresentar a África a si mesma e à diáspora, e a novidade do Fesman foi tentar fazê-lo reunindo as gigantescas diversidades culturais que sempre perfizeram o continente. E tentando, a partir daí, plantar algum sentido de unidade que florescesse das próprias raízes culturais africanas - e de sua reapropriação pelos povos da diáspora.

No sopé do monumento, um dos oito pontos do Fesman
A segunda edição do Festival ocorreu na Nigéria, em 1977, com o tema “Civilização Negra e Educação.  E o Brasil novamente teve sua participação oficial organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que mandou pra lá turma encabeçada por Gilberto Gil.

Com 14 países no comitê de organização, a edição 2010 voltou a Dakar. Literatura, oficinas de dança e exposições acabaram concentradas na Biscuiterie. Jazz e música instrumental foram para o monumento do Renascimento Africano e os megashows para a Praça do Obelisco, marco da independência senegalesa. A Maison Douta Seck abrigou a dança e parte do teatro, enquanto os filmes eram exibidos todos os dias na Place du Souvernir.

E o que posso dizer?

Do jazz intimista dos novaiorquinos do Last Poets às raízes do senegalês Cheikh Lo, do teatro surreal marfinense às acrobacias do circo nacional de Cuba, do raggae engajado do Alpha Blondy ao ecletismo do camaronês Richard Bona, assisiti virgem a toda uma vastidão de passos, sons e ritmos novos.

Caldo engrossado pela oportunidade de ficar hospedado, por duas semanas, num contêiner adaptado com banheiro, duas camas e ar condicionado, - numero 219 -,  que partilhei com o filósofo e ativista Marcos Cardoso no Village des Festvaliers: estrutura montada pelo governo para acomodar as delegações do festival.

Ali foi possível acompanhar ensaios e bastidores dos espetáculos, bem como ouvir canjas multi-língues durante as refeições servidas na gigantesca tenda que abrigou a praça de alimentação. Assim conhecemos gente de Guiné Bissau e da Mauritânea, de Camarões e de Cuba, do Congo e da África do Sul.

Entre eles gente que bandeou para a amizade, como o querido Moussa, que realiza um trabalho genial entrevistando anônimos no transporte público de Guiné Equatorial para sua radiobus. Ou Atchó, dramaturgo e comunicador popular de Guiné Bissau que nos brindou a nós, brasileiros, com uma ceia de natal. Ou ainda Aliou, senegalês da gema, com quem acabo de trocar uma idéia na rede.

Village des Fesvalliers: em cada porta um conteiner
Os conflitos que estouraram em dezembro, na Costa do Marfim, serviram de pólvora para dar o componente político que o Festival precisava. Mas confesso que senti falta dos movimentos sociais, que poderiam ter aproveitado a oportunidade para levar a bandeira cultural mais longe no Fórum Social Mundial, que também está rolando agora em Dakar.

Afinal, como ouvi de um professor durante o Fesman, toda revolução é – em si mesma – um ato de cultura.

*

Para mais, segue aqui o site oficial: www.blackworldfestival.com

Para quem se arrisca no francês, vai também um pequeno e excelente doc sobre a edição de 1966.

Seguido de outro vídeo, não tão bom assim, mas que traz uma apresentação de dança mucho louca do Fesman de 1977.

                                                                       Fesman 1966

                                                                      Fesman 1977

Fotos do III Fesman