10/02/2011

Festival Mundial de Artes Negras


Cheguei ao Senegal pelas mãos do querido amigo Ibrahima Gaye, cônsul honorário do país em Belo Horizonte, que me sugeriu começar a mochila pelo III Festival Mundial de Artes e Culturas Negras (Fesman).  

Reunidos sob o tema “Diversidade cultural e Renascimento Africano”, estariam na capital Dakar mais de 1.200 artistas negros, de 45 países, para manifestações tão variadas como os próprios ramos da arte: literatura, dança, cinema, teatro, música, moda, artesanato e artes plásticas e visuais.

E o Brasil, segundo país de maior população negra do planeta – atrás apenas da Nigéria, seria o convidado de honra.

A primeira edição, em 1966, já havia reunido em Dakar gente como Duke Ellington, Arthur Mitchell e Alvin Ailey. Do lado brasileiro, Clementina de Jesus e Mestre Varinho, antológico capoeirista baiano, também atenderam o chamado.

Afinal, o Fesman estava longe de ser apenas um encontro de arte. Havia menos de dez anos que 34 nações africanas tateavam a independência, golpes militares estouravam em países como Congo e Nigéria e a segregação racial recrudescia nos Estados Unidos, preparando para apenas dois anos depois o assassinato de Martin Luther King.

Era preciso reapresentar a África a si mesma e à diáspora, e a novidade do Fesman foi tentar fazê-lo reunindo as gigantescas diversidades culturais que sempre perfizeram o continente. E tentando, a partir daí, plantar algum sentido de unidade que florescesse das próprias raízes culturais africanas - e de sua reapropriação pelos povos da diáspora.

No sopé do monumento, um dos oito pontos do Fesman
A segunda edição do Festival ocorreu na Nigéria, em 1977, com o tema “Civilização Negra e Educação.  E o Brasil novamente teve sua participação oficial organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que mandou pra lá turma encabeçada por Gilberto Gil.

Com 14 países no comitê de organização, a edição 2010 voltou a Dakar. Literatura, oficinas de dança e exposições acabaram concentradas na Biscuiterie. Jazz e música instrumental foram para o monumento do Renascimento Africano e os megashows para a Praça do Obelisco, marco da independência senegalesa. A Maison Douta Seck abrigou a dança e parte do teatro, enquanto os filmes eram exibidos todos os dias na Place du Souvernir.

E o que posso dizer?

Do jazz intimista dos novaiorquinos do Last Poets às raízes do senegalês Cheikh Lo, do teatro surreal marfinense às acrobacias do circo nacional de Cuba, do raggae engajado do Alpha Blondy ao ecletismo do camaronês Richard Bona, assisiti virgem a toda uma vastidão de passos, sons e ritmos novos.

Caldo engrossado pela oportunidade de ficar hospedado, por duas semanas, num contêiner adaptado com banheiro, duas camas e ar condicionado, - numero 219 -,  que partilhei com o filósofo e ativista Marcos Cardoso no Village des Festvaliers: estrutura montada pelo governo para acomodar as delegações do festival.

Ali foi possível acompanhar ensaios e bastidores dos espetáculos, bem como ouvir canjas multi-língues durante as refeições servidas na gigantesca tenda que abrigou a praça de alimentação. Assim conhecemos gente de Guiné Bissau e da Mauritânea, de Camarões e de Cuba, do Congo e da África do Sul.

Entre eles gente que bandeou para a amizade, como o querido Moussa, que realiza um trabalho genial entrevistando anônimos no transporte público de Guiné Equatorial para sua radiobus. Ou Atchó, dramaturgo e comunicador popular de Guiné Bissau que nos brindou a nós, brasileiros, com uma ceia de natal. Ou ainda Aliou, senegalês da gema, com quem acabo de trocar uma idéia na rede.

Village des Fesvalliers: em cada porta um conteiner
Os conflitos que estouraram em dezembro, na Costa do Marfim, serviram de pólvora para dar o componente político que o Festival precisava. Mas confesso que senti falta dos movimentos sociais, que poderiam ter aproveitado a oportunidade para levar a bandeira cultural mais longe no Fórum Social Mundial, que também está rolando agora em Dakar.

Afinal, como ouvi de um professor durante o Fesman, toda revolução é – em si mesma – um ato de cultura.

*

Para mais, segue aqui o site oficial: www.blackworldfestival.com

Para quem se arrisca no francês, vai também um pequeno e excelente doc sobre a edição de 1966.

Seguido de outro vídeo, não tão bom assim, mas que traz uma apresentação de dança mucho louca do Fesman de 1977.

                                                                       Fesman 1966

                                                                      Fesman 1977

2 comentários:

Rogério Tomaz Jr. disse...

De arrepiar!!! Tem ideia de quando/onde vai ser o próximo? Mesmo sem data, já tá na agenda!!

Vinícius Carvalho disse...

Putz, Rogério! Se depender da regularidade até hoje, acho que em coisa de uns 20 anos! Mas ó: uma galera muito massa já identificou a oportunidade de trazer o próximo Fesman pro Brasil, de modo a envolver de vez na coisa os povos da diáspora. A conferir.