Para se ler quando se acha barato pagar R$ 3 por um café guatemalteco servido com feijão, nachos, dois ovos, queijo-crema, banana frita e tortillas:
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A Guatemala se prepara para a disputa presidencial este ano.
Os dois principais oponentes estão praticamente definidos. Uma é Sandra Torres, candidata da Unidad Nacional de la Esperanza (UNE) que trata de se divorciar do atual presidente, Alvaro Colom, para se habilitar legalmente ao pleito – embora a oposição ainda tente evitar a manobra no Supremo. O outro é o conservador Oto Perez Molina, fundador do Partido Patriota, ex-diretor de inteligência militar do Exército e representante dos milicos nos chamados Acuerdos de Paz –, que deram fim, em 1996, a uma guerra civil de 150 mil mortos e 40 mil desaparecidos.
E embora o país venha de uma abertura ainda mais recente e dolorosa do que a nossa, há outro tema que promete ser decisivo para o resultado das eleições deste ano:
- a crise alimentar que avança na Guatemala.
Nos últimos 12 meses, aumentou em 22% o preço do milho, 25% o do feijão e em até 80% o do trigo, - a ponto de fazer a Procuradoria de Diretos Humanos da Guatemala solicitar ao governo que declare estado de risco nutricional no país. Segundo o órgão, 6.575 pessoas morreram por causas associadas à desnutrição em 2010, e a tendência é de alta com a escalada dos preços.
O cenário não é mesmo animador:
Por um lado, o país depende historicamente da importação de alimentos básicos para servir a mesa do guatemalteco, incluindo todo seu milho amarelo, 96% do arroz e 98% do trigo.
Por outro, vê perdidos 80 mil hectares de feijão e milho branco – alimentos básicos no país - devido à erupção do vulcão Pacaya e a friagens e inundações trazidas pelas tormentas tropicais Agatha, Alex e Mathew no ano passado.
E por fim submete-se à alta histórica no preço mundial dos alimentos, que ameaça jogar na pobreza milhões de pessoas -, e não só na Guatemala.
Segundo informe do FMI, seu Indice Mundial de Preços dos Alimentos – que conjuga cotações internacionais de alimentos básicos como o trigo e o arroz - alcançou em janeiro de 2011 o máximo nivel histórico: 183,3 pontos.
O ultimo pico - de 179,7 pontos - havia ocorrido em 2008, no auge da crise financeira mundial. À época, especuladores trataram de migrar para os mercados internacionais de produtos agrícolas: investimento mais seguro, porque baseado na economia real. Mas como são, afinal, especuladores, trataram de se articular com multinacionais que controlam o mercado de sementes e a distribuição mundial de cereais na expectativa de que os preços – e suas ações - continuariam a subir. Na prática, a lógica é tão simples quanto perversa: quanto mais altos os preços dos alimentos, maior o retorno dos investimentos financeiros, - dinheiro ganho, literalmente, com aumento da pobreza.
Agora o FMI vem dizer que há outro problema.
Os indianos e os chineses estão comendo mais.
Enfim, toda essa gente que esteve aí fora dos “benefícios” da globalização quer comer mais.
E como os guatemaltecos também dependam de indianos e chineses, não sei bem como os candidatos vão manejar este tema por aqui.
Por ora, a oposição trata de jogar a crise no colo do governo, enfatizando sua ineficiência em mitigar a vulnerabilidade do país à importação de alimentos.
Por outro, a situação enfatiza o fator conjuntural trazido pelos desastres naturais ocorridos no ano passado e culpa a escalada mundial dos preços. Além, é claro, de dizer que a oposição não tratou de fazer o mesmo que agora aconselha quando governava o país e matava pessoas.
Resta saber como o debate se dará diante do aumento da temperatura eleitoral. Basta dizer que as seis coligações que participam do pleito tiveram de firmar no Tribunal Eleitoral um pacto de não agressão, solenemente desrespeitado pouco depois. Um dos enfrentamentos ocorreu em Quiché e deixou 10 feridos e quatro carros destruídos quando um grupo da UNE e outro do PP se toparam na rua enquanto pintavam palavras de ordem.
Afinal, mais uma vez, é preciso ter em conta que a Guatemala vem de uma abertura mais recente e dolorosa do que a nossa.
Aqui morreram mais de 150 mil pessoas.
E outras 40 mil foram desaparecidas.
Um conflito civil de 26 anos que reuniu, contra os militares, o Exército Guerrilheiro dos Pobres, a Organização Revolucionária do Povo em Armas, as Forças Armadas Rebeldes e o Partido Guatemalteco do Trabalho, até que se unissem, em 1982, sob a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca.
E que acabou, tal qual no Brasil, sob um acordo de anistia geral para os guerrilheiros e para os militares em seus abusos no combate aos rebeldes.
Aos guatemaltecos, desejo aqui o melhor que pode haver neste mundo: tal qual ele é e como eu gostaria que ele fosse.
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E já que o assunto desandou para a crise alimentar, aproveito para reproduzir abaixo – e atualizado na medida do possível - um BOX que fiz, em 2008, para o saudoso JB Ecológico, ex-suplemento de meio ambiente do Jornal do Brasil.
(Des)razões da crise alimentar mundial
Modelo agrícola – Atiçado pela chamada Revolução Verde, que propagou a agricultura intensiva baseada no uso de insumos químicos e grandes monoculturas a partir da década de 60, o planeta passou a testemunhar a substituição da agricultura familiar, orientada para a auto-suficiência alimentar e os mercados locais, pela grande agro-indústria orientada para a monocultura de produtos de exportação. Assim, é cada vez maior o número de pessoas a serem alimentadas por um número cada vez menor de produtores e fornecedores de semente, o que facilita as oscilações nos preços. Esse processo afeta, sobretudo, a segurança alimentar entre os mais pobres. E embora possa parecer que a urbanização transferiu o problema da fome para as grandes cidades, é bom lembrar que a ONU estima que ainda estejam no campo três de cada quatro pessoas que vivem com menos de um dólar por dia.
Encarecimento da energia e dos derivados do petróleo – De dezembro de 2008 a janeiro de 2011, o preço do barril de petróleo escalou de 77,7 para 174,2 dólares. Este aumento influencia diretamente na alta dos preços dos alimentos, já que o petróleo é utilizado como combustível no maquinário agrícola, no transporte e na produção de fertilizantes. Para se ter uma idéia, apenas o potássio e o fósforo, derivados de petróleo usados como insumos básicos pela agroindústria, subiram em média 70%, - só em 2008 -, arrastados pelo aumento do petróleo no mercado internacional.
Transformação dos alimentos em commodities – Diante da crise, o capital financeiro passou a ser investido nos mercados internacionais de produtos agrícolas depois da desvalorização do dólar americano e da crise no setor imobiliário. Em articulação com grandes empresas que controlam o mercado de sementes e a distribuição mundial de cereais, o capital financeiro investe no mercado de futuros na expectativa de que os preços continuarão a subir. Na prática, a lógica é tão simples quanto perversa: quanto mais altos os preços dos alimentos, maior o retorno dos investimentos financeiros.
Unificação do cardápio – Nas últimas décadas, boa parte da população global deixou de consumir alimentos produzidos localmente para comer produtos industrializados. Um dos efeitos desta mudança é a redução da biodiversidade agrícola, já que a maior parte do planeta passou a comer derivados de commodities como a soja, o milho, o trigo e o arroz. A FAO estima que 75% da variedade de plantas usadas na agricultura foram deixadas de lado ao longo do último século. O resultado desta redução, segundo a entidade, é que apenas 12 variedades de alimento e 14 espécies animais garantem a maior parte do abastecimento mundial. Isto faz com que qualquer oscilação nos preços destes produtos chegue rapidamente ao bolso de consumidores em todo o planeta.
Aquecimento da demanda – Nos próximos 50 anos, a população mundial deve chegar a 9 bilhões de pessoas. E não fosse só isso, as recentes taxas de crescimento econômico conquistadas por países em desenvolvimento, especialmente China e Índia, já tratam de ampliar desde já o mercado consumidor de alimentos de um modo geral. Como o século XXI promete ser o dos países emergentes, tem-se aí uma idéia dos desafios porvir.
Desertificação e aquecimento global – Segundo a Universidade das Nações Unidas (UNU), a degradação da terra e a desertificação já afetam 33% da superfície terrestre e 2,6 bilhões de pessoas. Apenas na América Latina, mais de 516 milhões de hectares são afetados pela desertificação, resultando na perda anual de 24 bilhões de toneladas da camada arável do solo. Globalmente, a área afetada pela seca aumentou mais de 50% durante o século XX, problema que tende a se agravar com o aquecimento global. As regiões mais secas do planeta, segundo projeções do IPCC, tendem a ficar mais vulneráveis a chuvas torrenciais e concentradas em curto espaço de tempo, ao passo que tende a haver maior freqüência de dias secos e de ondas de calor decorrentes do aumento na freqüência de veranicos, o que aumenta os riscos de perdas de safra.
Subsídios agrícolas - Os subsídios dos países ricos à agricultura também estão em questão. A assistência que a União Européia dá aos agricultores de países membros barateia seus custos, mas inibe a produção nos países em desenvolvimento. Apenas no contexto da chamada Política Agrícola Comum (PAC), a União Européia injeta US$ 50 bilhões por ano para seus agricultores. Nos EUA e outros países industrializados, os subsídios chegam a US$ 1 bilhão por dia.
Biocombustíveis - Os biocombustíveis foram um dos primeiros acusados pelo aumento do preço dos alimentos, em 2008. A alegação é que terras previamente utilizadas para a agricultura estariam sendo destinadas à produção dos combustíveis alternativos. Após uma primeira generalização, creditou-se ao combustível baseado no milho alguma responsabilidade pela escalada dos preços e diminuiu a carga de críticas à cana-de-açúcar. De todo modo, o debate sobre o impacto dos biocombustíveis sobre o preço dos alimentos deve continuar se considerada a escala necessária para abastecer todo um mercado global. No Brasil, apenas 1% das terras aráveis é utilizado para a cana destinada ao etanol, área que deve ser multiplicada caso emplaque o uso global de biocombustíveis.
Água e carne – Precisamos contabilizar também a água incorporada no processo agropecuário. Cada quilo de carne bovina, por exemplo, exige em média 40 mil litros de água para ser produzido, segundo a UNESCO. Neste cálculo entram não só a água consumida diretamente pelo animal, mas também a utilizada na produção da alimentação do gado, no tratamento e no abate. E aí entra um novo nó alimentar: à medida que os pobres sobem para a classe de consumo, deixam de comer apenas alimentos como milho e trigo para comer também carne e laticínios. E quando comemos carne, consumimos pelo menos três coisas: a carne, a planta que serve de alimento ao gado e a água necessária para fazer florescer a planta.
Só para ilustrar o dilema: embora a irrigação só atinja 3,1 milhões de hectares no Brasil, o potencial irrigável no país é estimado em 29,5 milhões de hectares. Mesmo assim, o setor já usa 70% de toda água consumida no Brasil, também segundo estimativas do Plano Nacional de Recursos Hídricos.
3 comentários:
é fiii... cruel, muito cruel... tamo num círculo vicioso.. se correr o bicho pega, se ficar o bicho come...
Benégas
Muito bom o post, meu caro. Vou acompanhar de perto suas andanças, e dia desses batamos um papo via gtalk. abs, thiago guima.
Abraço, cumpade! Tá em sampa?
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