Após 700 dias do golpe e 458 de exílio, o presidente deposto Manuel "Mel" Zelaya retorna à Honduras e discursa no aeroporto da capital. Eu sou este aí no retangulo branco (Foto: Jornal El Heraldo). |
Imagine se passasse no Brasil.
O presidente eleito convoca um plebiscito com a seguinte consulta: “Você está de acordo que, nas eleições majoritárias, se instale uma quarta urna na qual o povo decida a convocatória de uma Assembléia Nacional Constituinte?”
No dia da consulta, - durante a madrugada -, um comando militar articulado pelo Supremo Tribunal Federal, parte do congresso e o exército invade o Palácio da Alvorada, prende o presidente e o exila do país -, ainda de pijama, - sob o argumento de estar violentando a Constituição e as leis.
O repúdio internacional é imediato, e resulta na exclusão do país da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ainda assim, o presidente da Câmara dos Deputados -, e líder da oposição, - se avoca a presidência e convoca eleições com o apoio dos militares.
O ato é imediatamente tachado de ilegal e fraudulento pelo presidente exilado, que propõe boicote ao pleito.
A abstenção chega a 60%, e vence o candidato do governo.
Um ano depois, o militar que coordenou a invasão ao Planalto é nomeado Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
Todos os atos contra o governo são duramente reprimidos, e não se abre um inquérito sequer para apurar a responsabilidade sobre a morte de dezenas de pessoas, bem como demais casos de violação dos direitos humanos.
Os funcionários públicos contrários ao golpe também são suspensos – incluindo 303 professores -, e seu retorno condicionado à assinatura de termo no qual se comprometem a não participar de atos contra o governo.
Enquanto isso, o governo altera a Constituição, flexibiliza a legislação trabalhista e propõe uma nova modalidade de concessão territorial na forma de “cidades-modelo” -, a serem geridas diretamente pela iniciativa privada. E realiza um mega-evento chamado Brazil Open for Business, no qual convida grandes investidores de 47 países a assumir os principais projetos de infra-estrutura do país.
E então passa que, 700 dias depois, o governo de fato aceita um acordo de reconciliação com o presidente deposto que permite seu retorno ao país – e a volta do Brasil à OEA, incluindo seus direitos de acesso a financiamentos internacionais.
O acordo, mediado por países vizinhos, inclui:
- Recuperação dos direitos civis e políticos do presidente deposto.
- Reconhecimento, por ele, da legitimidade do atual governo -, cujo mandato segue até 2013.
- E promulgação, imediata, de regulamentação constitucional que discipline a realização de plebiscitos e referendos como instrumentos de consulta popular.
Acordo selado, o presidente retorna, após 458 dias de exílio, para um ato apoteótico que reúne centenas de milhares na capital.
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Este ato apoteótico, para Honduras, ocorreu no sábado.
E abaixo estão as fotos da festa que fizeram, tão logo desembarcou o ex-presidente de Honduras Manuel “Mel” Zelaya.
A dúvida é o que passa a partir de agora.
As principais forças que aglutinam a resistência ao golpe estão reunidas na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Entre elas, os seis principais sindicatos de professores do país, a Organização Fraternal Negra de Honduras (Ofran), o Conselho Cívico de Organizações dos Povos Indígenas de Honduras (Copinh), o Partido Tendência Revolucionária e segmentos do Partido Liberal (PL).
Do avião para o palanque. Foto: Jornal El Heraldo. |
A primeira dúvida é se a Frente irá ou não se assumir como partido político, cuja possibilidade está prevista no acordo entre Zelaya e o atual presidente, Porfírio “Pepe” Lobo -, firmado com a mediação de Venezuela e Nicarágua.
Há os que temem pela desfiguração da Resistência se transformada em Partido Político, e há os que vêem na ação a possibilidade de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte já em 2014, agora que está acordada a regulamentação constitucional para a realização de plebiscitos e referendos no país.
Isso depende de como ficará a relação entre a FNRP e o Partido Liberal (PL), pelo qual Zelaya venceu as eleições em 2005.
Não desce pela goela de dirigentes da FNRP que o PL tenha aceitado disputar as eleições propostas pelos golpistas em 2009, mesmo com a proposta de boicote feita por Zelaya. E o PL, claro, não quer perder barato seu protagonismo político-partidário no campo da centro-esquerda hondureña. Pelo personalismo político reunido em torno da figura de Zelaya, tudo parece indicar que caberá a ele a condução desse processo.
O fato é que a união de ambos – PL e FNRP - parece vital se quiserem vencer o Partido Nacional no pleito de 2013.
E o fato também é que, pela constituição hondureña, não há reeleição.
Zelaya tem trabalhado pela consolidação política de sua esposa, Xiomara Castro, nomeada para o Conselho Político da FNRP tão logo desembarcou no aeroporto.
Por ora, ele observa o quadro político hondureño de seu sítio em Olancho, no interior do país.
Afinal, foram 486 dias de exílio num momento de muita história para Honduras -, e me parece que ele quer saber onde pisa antes de tomar qualquer decisão.
Fotos - O Retorno de "Mel"
Ps: Aproveito para agradecer aqui os queridos Silvia e Felipe, correspondentes do jornal Brasil de Fato em Honduras. Sem eles, esta cobertura não seria possível. Valeu!
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